A peça expõe um quadro preocupante. Revela uma assimetria. Empresas chinesas avançam sobre o mercado brasileiro sem freios. Na outra ponta, empresários nacionais enfrentam barreiras para se estabelecer na China.

O texto do Ipea ilumina também uma armadilha que se esconde sob os números da balança comercial. Lula firmou com o colega Jintao um plano de ação conjunta que começou a ser implementado em 2010 e se estenderá pelo mandato de Dilma, até 2014.

Assinado em 2009, o acordo será detalhado em encontros bilaterais ao longo de 2011. Contempla investimentos e acordos comerciais. "O problema do avanço dessas negociações agora é que os chineses sabem claramente o que querem do Brasil", anota o Ipea em seu estudo.

"No entanto, ainda não se tem claro do que queremos da China", arremata o órgão de estudos do governo. A intenção de Dilma é a de clarear as coisas.

Entre 2000 e 2010, as exportações do Brasil para a China saltaram de US$ 1,1 bilhão para notáveis US$ 30,8 bilhões. No mesmo período, as importações de produtos chineses cresceram de US$ 1,2 bilhão para US$ 25,6 bilhões.

Embora favorável ao Brasil em US$ 5,2 bilhões, o saldo comercial carrega uma distorção que, no longo prazo, pode convertê-lo em déficit. Vende-se para a China uma pauta de produtos básicos. Compra-se dos chineses uma lista de equipamentos envernizados pela tecnologia.

Nos últimos dez anos, de cada dólar que o Brasil amealhou nas exportações para a China, 87 centavos vieram de produtos primários e manufaturas. A venda de produtos de média intensidade tecnológica renderam 7 centavos. Os de alta tecnologia, 2 escassos centavos de dólar.

Em 2010, os minérios responderam por 40% das vendas brasileiras para o mercado chinês. Oleaginosas, 23%. Combustíveis minerais, 13%. Os três juntos, 76%. Na outra mão, dá-se coisa bem diferente.

Em 2000, o Brasil importou da China US$ 487 milhões em produtos de alta tecnologia. Em 2008, a aquisição desse tipo de mercadoria já somava US$ 8 bilhões. No ano passado, roçaram a casa dos US$ 10 bilhões.

Dito de outro modo: o superávit do Brasil no comércio com a China escora-se na venda de produtos primários. Nos itens de baixa, média e, sobretudo, nos de alta tecnologia acumula-se um déficit crescente.

O Brasil importa da China principalmente máquinas e aparelhos elétricos (33%), caldeiras e máquinas mecânicas (20%) e químicos orgânicos (7%). O cenário não é menos inquietante quando considerados os investimentos.

Na última década, as inversões da China no Brasil experimentaram um crescimento de 294,5%. O Ipea estima que, em 2010, os chineses investiram no Brasil algo entre US$ 13 bilhões e US$ 17 bilhões.

A China opera em solo brasileiro nos mais diversos setores. Vende defensivos agrícolas, produz semi-acabados em aço, fabrica malte, cervejas e chopes, é sócia de bancos de investimento e de empresas de telecomunicações.

Em 2009, investiu US$ 10,7 bilhões em petróleo, US$ 1,8 bilhão no setor financeiro, US$ 1,22 em mineração e US$ 1,72 em energia elétrica. "Fica evidente a estratégia chinesa de garantir o acesso as fontes de recursos naturais, bem como o de tentar influenciar no preço desses setores", anota o estudo do Ipea.

Como se fosse pouco, empresas chinesas marcham sobre o agronegócio brasileiro. Num processo de aquisição que o Incra não consegue acompanhar, estima-se que os chineses já estão assentados sobre 7 milhões de hectares agricultáveis no Brasil.

E quanto aos investimentos brasileiros na China? Eram diminutos: 0,06% em 2006. E o Banco Central informa que caíram ainda mais: 0,03% em 2010. No ranking dos receptores de inversões brasileiras, a China ocupa a 30ª colocação.

Por que tão pouco? São duas as razões, diz o Ipea. Uma: poucas as empresas exibem disposição para se instalar na China. Outra causa: as poucas que ainda se animam a tentar a sorte no mercado chinês enfrentam "restrições e dificuldades" impostas pelo governo local.

A China não admite concorrência em setores que considera estratégicos. Nas outras áreas, impõe aos estangeiros a sociedade com empresários chineses. Há, no dizer do Ipea, evidente falta de reciprocidade no tratamento.

O que fazer? O texto que Dilma carrega na valise relaciona providências. Por exemplo: uso de instrumentos de defesa comercial; negociação de condições isonômicas para as empresas brasileiras...

...Fiscalização da compra de terras no país; regulação da exploração de recursos naturais brasileiros; submissão dos investimentos chineses às prioridades do Brasil (infra-estrutura, por exemplo)...

...Exigência de que o investidor chinês agregue valor ao que produz no Brasil; e financiamento ao produtor nacional para que evolua dos produtos primários para os tecnológicos.

É longo, como se vê, o caminho a percorrer na relação da oitava economia do mundo com a segunda. Ao trocar ideologia por pragmatismo, Dilma deu o primeiro passo. Não é pouca coisa. Mas está longe, muito longe de alcançar seus objetivos.

- ServiçoAqui, um resumo do estudo do Ipea (17 folhas). Aqui, a versão integral (56 páginas).

por Josias de Souza