Artigo semanal de José Dirceu


O diagnóstico e as respostas à crise, por José Dirceu

A crise financeira que abala o velho continente e o receituário da austeridade que aprofunda a recessão em países como Espanha e Itália continuam colocando um grande ponto de interrogação sobre o futuro do continente e dos demais países que sofrem seus efeitos colaterais.
Em Cádiz, neste mês, durante a realização da Cúpula Ibero-Americana, o tema foi dominante. A presidenta brasileira, Dilma Rousseff, que discursou na abertura do evento, foi das mais críticas às políticas que pregam corte de gastos governamentais e aumento de impostos para reduzir o déficit público, defendendo a flexibilização dessas medidas e a volta do investimento e do consumo como caminho para evitar o agravamento da situação.
Nesta semana, um dos autores do "Manifesto pela Razão Econômica", o professor britânico Richard Layard, apresentou posição semelhante em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, esclarecendo que as respostas que estão sendo dadas pelos líderes europeus não estão funcionando, pois o diagnóstico das causas que levaram à crise foi equivocado.
Segundo Layard, ao contrário do que se dissemina, a crise não foi provocada por orçamentos públicos irresponsáveis, mas sim pela inconsequência do setor privado na concessão e na tomada de empréstimos, resultando no colapso bancário que levou à recessão, a qual, por sua vez, produziu o déficit público.
O professor explica que o endividamento excessivo do setor privado foi possível pela fragilidade da regulação do sistema bancário e pelos riscos injustificados assumidos pelos bancos.
Layard lembra que até 2008, a maioria dos países europeus tinha orçamentos responsáveis, inclusive Espanha e Itália, que hoje estão entre os que mais sofrem dificuldades econômicas e sociais decorrentes da atuação de seus governos para socorrer os bancos.
O desemprego, principal sintoma desta doença recessiva, atinge níveis alarmantes nestes países. Na Itália, em setembro, o desemprego bateu recorde histórico e chegou a 10,8%, o maior índice desde 2004. Entre os mais jovens, a taxa de desemprego subiu para 35,1%.
Já na Espanha, o número de desempregados no terceiro trimestre do ano alcançou 25% da população ativa, também um recorde.
Quando perguntado sobre as consequências da manutenção destas políticas, que têm mais cortes previstos para 2013, Layard é taxativo ao apontar o prolongamento da recessão. Para ele, a falta de investimentos pelas empresas e a contenção feita pelas famílias para tentar reduzir suas dívidas tendem a aumentar o desemprego, se o Estado não atuar para "preencher o vazio".
Segundo o professor, é preciso, sim, que os governos se disponham a incorrer em déficit para estimular a economia. O que está acontecendo, ressalta, é que ao cortar gastos públicos e aumentar os impostos para diminuir a dívida, gera-se uma crise de confiança que atrasa a recuperação e torna ainda mais difícil atingir este objetivo. Portanto, conclui, se continuarem a colocar a redução do déficit como prioridade, a situação só irá piorar.
O baixo crescimento das economias europeias e o aumento de seus déficits fiscais sinalizam que as políticas que enfatizam a austeridade já mostram seus limites. Portanto, não faz sentido continuar impingindo aos cidadãos enormes sacrifícios como as reduções de salários, desemprego e perda de seus direitos sociais. Além disso, a demonstração de rigor não será, por si só, suficiente para garantir a confiança do mercado internacional.
Como salientou a presidenta Dilma em Cádiz, a confiança não se constrói apenas com sacrifícios, mas também com resultados concretos que apresentem às pessoas um horizonte de esperança e não apenas a perspectiva de mais anos de sofrimento.
A presidenta fez ainda uma lembrança muito bem colocada sobre a situação vivida pelo Brasil nos anos 1980, conhecida como a "década perdida", quando enfrentávamos alto endividamento e estagnamos economicamente, por conta de políticas de rígido ajuste fiscal, que só aprofundaram nossas desigualdades sociais.
Em contrapartida, o modelo de crescimento econômico com inclusão social, adotado pelo governo Lula, fundamentado na geração de emprego e renda e no estímulo ao mercado interno, se mostrou crucial para assegurar o desenvolvimento sustentado ao longo dos últimos anos.
Por todas as evidências de poucos resultados que se mostram até aqui, é difícil sustentar as alegações de que o receituário da austeridade seja o mais recomendável para a maioria dos países europeus.
O que é certo, entretanto, é que tais políticas podem levar a uma espiral de recessão e de desemprego que, ao invés de resolver o problema da dívida, o agravará.
As respostas à crise são outras e os exemplos são fartos. O que falta agora é coragem de reorientar a rota e priorizar o investimento, o emprego e o bem-estar da maioria dos cidadãos.

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