Responsabilidade fiscal para os pobres. Para os ricos, nada

As discussões sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – são curiosas.
Há momentos, não raros, em que a complexidade do assunto extrapola, envolta em termos e expressões específicas, num lero-lero sem fim. Especialistas se acotovelam para dar seu pitaco de economês-jurídico-fiscal.
A manchete de O Dia, “Servidor: Rio pode ser 1º a demitir funcionário estável para cumprir LRF ” impressiona por seu caráter apocalíptico. No entanto, se o leitor ultrapassar a barreira da manchete, corre já sério risco de começar a entender do que se trata:
Se for aplicada, medida atinge quem tem menos tempo no cargo. Ficam de fora militares e magistrados.
Quando o assunto é orçamento público, o mantra neoliberal surge como palavra da salvação: a conta não fecha. Ou, ainda, o clássico cinismo da frase popularizada pelo economista Milton Friedman: não existe almoço grátis.
Todos nós lidamos, de uma forma ou outra, com orçamentos. E quando puxamos a teoria, do alto de seu pedestal, para a prática do dia-a-dia, entendemos que tudo é uma questão de opção. Cortar os ‘gastos’ com escola das crianças ou terminar o relacionamento com aquela “amante argentina” das gozações típicas daqui do Sul, que nos arranca os olhos da cara com suas frivolidades?
É pior, porque mesmo ao enamorado bobalhão revoltaria se a amante argentina, francesa ou alemã dissesse que deveríamos cortar a escola das crianças, para ensinar-lhes austeridade, nome pomposo para crueldade.
Perdoem a comparação algo machista, mas seria igual se fosse o inverso, com uma mãe atordoada por um finório bonitão.
A desvinculação dos ‘gastos’ sociais, como saúde e educação, proposta pela dupla Temer & Meirelles nos mostra, sem surpresa, a que ponto chega a desfaçatez. E fazem caras de sérios ainda.
A ideia é não gastar mais 3% com saúde e educação para ‘equilibrar’ as contas. Mas, óbvio, sem mencionar e para manter intocável a obrigatoriedade consumir escandalosos 47% do orçamento com as amantes mundo afora, chamadas rentistas.
É isso mesmo, e subindo: em 2014 o Brasil pagou R$ 978 bilhões e em 2015 R$ 1,356 trilhão com os gastos com a dívida pública.
Hoje, o economista Marcos Lisboa, longe de ser um esquerdista, diz que “o Brasil pode virar um grande Rio de Janeiro
Tome-se o exemplo do Rio, então, na já citada reportagem de O Dia.
Sob o forte risco de desenquadramento das contas frente à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o Estado do Rio pode ter um inedistismo no corte de servidores para reduzir despesas. Nunca antes usada no país, a demissão de funcionário público estável para cumprir a LRF é a medida mais ousada e, se for aplicada, atingirá aqueles com menor tempo no cargo, além de idade.
Não para todos, é claro…
Ficam fora da mira militares, magistrados e promotores e também carreiras exclusivas de Estado, como delegados e defensores públicos.
As pessoas defendem redução de ‘gastos’, defendem demissão de concursados e comissionados mas esquecem que, depois, estes servidores não estarão lá para servi-los.
A imprensa não fala quem são os beneficiados pela mágica da caixa preta dos títulos públicos por uma razão óbvia, justamente eles, os beneficiados – uma minoria de especuladores e, sobretudo, os bancos – são erigidos em deuses da sabedoria econômica pelo “jornalismo de mercado”.
As lascivas senhoras sabem ser sedutoras e já devíamos ter aprendido quem, afinal, lhes paga o pato.
A escola das crianças, o posto de saúde e os auxiliares administrativos.

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